domingo, 6 de março de 2011

O Grande Individualista

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Todos nós, como Mário de Andrade, estamos cansados de assombrações. Por isso ele dizia que há muito tempo não temia – nem podia temer - os gigantes. No folclore as lendas sofriam de escassez imaginativa e perdiam suas cores. Mas, fora isso, andava pela metrópole paulistana um outro tipo de assombração, de dar medo: o individualismo. Por estranho que pareça, Mário, que tinha enfrentado o medo do escuro, tirava notas harmoniosas, loas e versos sublimes no isolamento individual..

Sem dúvida que as preocupações artísticas, sociais e históricas convivem com o temor da loucura no isolamento. Não se trata, entretanto, do mesmo problema, já que, ao contrário, sabe-se muito bem que estão desencontrados e ameaçados de divórcio. Aí está a assombração. Mário de Andrade habitava o centro desta discórdia: a ética sempre cobrando atitudes duras, e a compreensão da própria miséria pedindo que sejamos amáveis. Desafio bom para almas halterofilistas.

Permito-me citar um exemplo numa “croniquinha” do autor, intitulada “Pessimismo Divino”. Mário defende abertamente que a linguagem é incapaz de expressar a totalidade da vida sensível. Como se fosse naturalmente esta sua função, tenta nos convencer de que a linguagem é uma forma de organizar e complementar a vida sensível. Novamente, só os bobos veriam nisso uma influência dos empiristas ingleses, ou coisa do tipo. Há uma força, um conflito, como queiram chamar, que conduz linearmente o questionamento do significado da arte para a reflexão sobre a linguagem, desta para experiência empírica e, finalmente, dirigindo-se para famigerada... experiência individual!

Coisas muito pouco inteligentes são ditas atualmente em cima desta mesma visão, tais como: a obra de arte só pode ser entendida pela singularidade do olhar individual; a arte é somente espontaneidade e impressão; só os pretensiosos tentam racionalizar a arte, etc. Mário de Andrade não chega a tanto. Preferia acreditar que não existe espontaneidade absoluta, ou seja, que a linguagem não possui a função de instrumento individual auto-operacional, mas, ao contrário, é uma manifestação social objetiva.

É que, em relação aos conservadores que pretendem amarrar a criação com “formalismos de latrina”, torna-se necessário defender o inefável, o sensivelmente inexprimível da arte. Redescobrir a individualidade que resiste à deformação pela compreensão histórica e social da vida. Assim era pouco mais ou menos um grande individualista (no sentido de independência e honestidade de opinião): sempre enfrentando o perigo da verdade, que é uma bomba lançada na mão dos outros com a esperança de que reste alguma coisa de útil depois da explosão...
         

João


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