sábado, 18 de dezembro de 2010

Simples

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Tinha 60 anos, trabalhava desde os 15. O caso produz alguma perplexidade. Adoeceu de câncer profundo. Ás dores da própria doença somou-se a tortura do tratamento médico. Enfim, todo o peso insustentável da vida, mas nunca, jamais uma lágrima; uma manifestação sequer de desespero; quando vinha o Sol, quando via as crianças na flor da idade... Nada!

Ora, é de supor que tudo relacionado à vida faça sofrer a um moribundo. O medo, a vontade de findar-se de vez, a incerteza de um milagre impossível. Mas nada, absolutamente nada. Nunca manifestou grande entusiasmo e apego pela vida; porém não parecia incomodar-se grandemente com o que quer que fosse. Ajustado. O poeta diz: “A esperança equilibrista”. Equilibrista é a forma de estar no mundo de certos homens, para os quais a vida é um fenômeno reto, função de subsistência: já que estou, então serei. Nada mais, nada menos.

Se a família se punha de luto, isto o irritava, pois não queria ser a origem do sofrimento alheio. Se os outros se fingiam de alegres, aí então se engolfava no relho. Até nisso, também, era ainda o mesmo de sempre: sério e quieto. Os animais, naturalmente, eram sua melhor companhia. Reparem, entretanto, no termo “naturalmente”, pois dessa forma a serenidade não é um fim para o qual existiam meios..

Indaguei-me durante algum tempo sobre o que se passava na consciência deste homem. Reparei, finalmente, que nada do que era exteriormente traía sua consciência mais íntima. Era o que parecia de fato. Um alívio. Alívio de saber que a profunda dignidade da existência pode vencer facilmente a vaidade mórbida na qual nos rastejamos. Talvez soubesse de coisas que costumamos atribuir somente a criaturas iluminadas pelos descaminhos da filosofia, por exemplo. Mas, naturalmente, ele, não sabia muito bem que sabia. Soldados desta estatura é o que não falta no mundo. E isso é bom de saber.

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