sexta-feira, 8 de julho de 2011

Marcha da Liberdade

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A “marcha da liberdade” originou-se de uma reação contra a repressão ocorrida na “marcha pela legalização da maconha”. O “movimento” tornou-se consciente dos métodos utilizados pela polícia. De uma marcha à outra há uma diferença qualitativa fundamental. A segunda, “contra a repressão”, é infinitamente mais abrangente que a primeira.

De fato, a ação truculenta da polícia projetou a manifestação na grande mídia. Mas, entretanto, a polícia não sai desmoralizada, já que, obrigando os jovens a levantar-se contra a repressão, revelou a ingenuidade desses mesmos jovens, que precisaram tomar lambadas na cabeça para descobrirem que a repressão existe pra valer, e não se faz de rogada frente a angelical poesia dos pacifistas.

A eloqüência dos manifestantes, o charme libidinal do discurso libertário, o corre-corre em via pública, tudo isso, levaria qualquer desavisado a pensar que a intolerância é fato inédito por estas bandas. Claro que a luta contra a repressão está na ordem do dia. Exatamente por isso causa estranheza o aspecto carnavalesco inquestionável da “marcha pela liberdade”. Estética pura, talvez. As reivindicações são absolutamente legítimas: liberdade no sentido elementar, democrático do termo. Está escrito na constituição.

Mas, a impressão é que os fatores decisivos da criminalização, como os problemas econômicos mais profundos, perderam terreno para a questão puramente moral. (Por “problemas econômicos”, entenda-se, por exemplo, o desemprego e o trabalho informal no Brasil, de que o tráfico de drogas é consequência direta). Tem-se a impressão de uma revolta juvenil contra uma proibição paterna. Arenga de criança inconformada.

Quanto ao aspecto da festividade, já é possível ouvir o argumento em nome da alegria, do poder contagioso e transformador da arte circense, ou o transe ritualístico do amor-astral, e outras coisas do tipo, mais ou menos esotéricas. Ouvi tais coisas da boca de um manifestante - por sinal, um dos organizadores do evento. Ora, as lutas políticas - dizem - não são necessariamente sérias. É preferível o apoliticismo à seriedade! Que seja. Devemos esperar, entretanto, que semelhante ideia caiba na consciência exausta da grande maioria da população, que, às sete da noite, cochila num ônibus, ou num trem lotado, voltando outra vez para a indigência daquilo que costumam chamar de "descanso" – miséria de todo dia.

Dizem que não é possível criticar tais marchas por seu caráter “espontâneo”, “natural”, etc. Argumento totalmente falso, revelador, entretanto, da bizarrice política que é a organização de tais marchas – “aparecem” como que brotadas do chão. Até essa aparência de espontaneidade, entretanto, é conseqüência de um tipo específico de organização – que faz lembrar, nesse sentido, a marcha para Cristo: venha, basta ingressar! É Procissão!

O fato é que, aos olhos da grande maioria daqueles que “marcharam pela liberdade”, uma crítica mais severa parece-lhes absurda, inadmissível, sem que consigam, entretanto, fundamentar qualquer defesa. Síndrome de uma sociedade virtualizada, em que o acesso às questões mais importantes da vida é impossibilitado por uma camada de informações inúteis, em que o imaginário social transforma-se num reservatório infinito de ideologias descartáveis, que, acumulando-se diariamente, produz a estranha impressão de estarmos a viver num mundo fictício, estetizado, narcotizado, etc.

Não temos o direito, mas o dever de criticar estas manifestações políticas da juventude. Não se trata de que lado estamos. A polícia é treinada para o extremo, pro que der e vier. E sabemos todos para quem o Governo trabalha. A questão, exatamente por isso, é que tais marchas são organizadas por filhos legítimos de uma classe-média entorpecida, deslocada na vida cotidiano e incapaz de perceber a miséria insuportável em que vive três terços da classe trabalhadora, acossada em regiões periféricas da cidade e do país. Bolsões imensos de miséria.

Que a “marcha da liberdade” é uma bolha, não resta a menor dúvida. Mas não deixa de ser legítima enquanto negação, mesmo que frágil, da miséria atual. E também por concentrar uma das camadas mais ativas e importantes para o destino de qualquer sociedade: a juventude. Fazendo valer essa importância é que devemos criticar toda e qualquer estetização da política, que mais afasta do que aproxima a população das ruas. Sem dúvida, nós, a juventude, podemos infinitamente mais do que isso. Mas hoje, infelizmente, o que falta é coragem para nos desligarmos definitivamente dos hábitos e confortos absolutamente dispensáveis, e aparentemente inofensivos, da classe-média covarde deste nosso país.


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